A recompensa, assim como o castigo, é a expressão do poder de uma pessoa sobre outra”, diz Marshall Rosenberg. Em um primeiro momento essa afirmação pode soar um tanto radical, mas o autor dessa frase, o pai da Comunicação Não Violenta, disso estava convencido. Ele defendia a ideia de que tudo o que fazemos para influenciar a conduta de uma pessoa para que ela faça o que queremos, é o mesmo que usarmos o nosso poder sobre ela.
É sobre isso que iremos falar aqui, no quarto artigo da série “CNV Pais e Filhos” aqui do blog. Lembrando que no último post “Cuidado! As suas crenças e expectativas podem prejudicar seus filhos”, mostrei como a postura dos pais diante da vida e o que eles esperam dos filhos pode influenciar na autoestima das crianças, tornando-as pessoas fortes e confiantes ou inseguras e medrosas.
Pois bem! Vamos ao assunto de hoje, as recompensas e as suas mazelas. Talvez você se pergunte: “Como assim, dar uma recompensa é algo prejudicial? O que há de errado nisso?” Pois é, por mais que esses “pequenos” agrados possam parecer inofensivos, as consequências para as crianças podem ser bem negativas. Vamos ver por quê?
Se você ficar quietinho, a mamãe te dá um chocolate
Como mãe, sei bem que dar uma gratificação ao filho pelo seu comportamento pode parecer algo natural. Até porque existem situações em que um chocolate ou um brinquedo faz milagres e nos traz aquela paz necessária para concluirmos uma tarefa. Imagine você, cheia de compromissos, querendo terminar logo com a compra e o seu filho começa a chorar aos berros no caixa querendo um Kinder ovo. Ou quando você quer levar sua filha de cinco anos no jardim de infância e ela se recusa a colocar a roupa. Quem pai nunca passou por isso? Nesses momentos, tudo o que pensamos é em prometer algo à criança para que ela faça o que queremos. Pois, aparentemente, essa é a alternativa mais eficaz.
No entanto, se olharmos direito para esse comportamento, percebemos que por trás dele, existe uma certa coação. Já que a criança não está fazendo algo de livre e espontânea vontade, mas sim porque está sendo induzida a fazê-lo.
Se você aprender inglês, nós vamos passear na Disney
Enquanto elas são pequenas e as recompensas não passam de presentinhos, isso pode parecer bobagem. Porém, à medida que vão crescendo, crescem também as exigências e as complicações. Assim, uma criança de sete anos que não gosta de estudar e traz notas baixas para casa, provavelmente não se contentará mais com um chocolate, irá querer um videogame ou um Lego.
Fato é que muitas famílias, por acreditarem estar motivando e ajudando as crianças a superarem suas dificuldades, não medem esforços para oferecê-las recompensas atraentes. Certa vez, fiquei surpresa quando minha filha me contou que a avó de sua amiguinha havia prometido à neta um cruzeiro de navio, caso ela conseguisse entrar no ginásio (nível mais elevado de escolaridade na Alemanha, a partir da quinta série). Naquele momento, nem consegui me alegrar pela menina, pois imaginei o peso de sua responsabilidade. Ela tinha nove anos! E eu sabia da história do seu irmão mais velho, que não conseguiu passar nessa mesma seleção, alguns anos atrás.
Uma amiga educadora, a @danielapesconiarthur me falou de um caso bem parecido. Ela era professora de inglês em uma escola de línguas e um dos seus alunos, um garoto de dez anos, frequentava suas aulas porque os seus pais o prometeram uma viagem a Disney caso ele aprendesse o idioma. A criança obedecia seus pais e fazia o que eles queriam, mas ao invés de se interessar em estudar, passava todo tempo irrequieto, conversando com os outros alunos e tirando a atenção deles. Você acha que o seu desejo era mesmo aprender inglês?
Quando você crescer, vai ser bailarina
Eu também experienciei algo parecido com a minha filha. E no meu caso pude confirmar, na prática a Teoria de Marshall. Segundo ele, quando obrigamos uma pessoa a fazer o que queremos, mais cedo ou mais tarde, nos arrependemos. Eu insistia para que a minha filha de cinco anos fizesse balé. Mesmo não oferecendo uma recompensa material, indiretamente – e inconscientemente – eu a prometia um retorno emocional: “Se você fizer balé, a mamãe vai ficar tão orgulhosa de você!” Nesse caso, sua gratificação era o meu orgulho e minha admiração. Por se sentir obrigada em me agradar – e, porque não a dei escolha – praticava balé por mim, não por ela. E, se por um lado ela me obedecia, por outro fazia de tudo para me mostrar a sua insatisfação. Na barra de exercícios do estúdio de dança, exercitava os movimentos sem vontade e sem entusiasmo. Por vezes chorava antes de ir para as aulas e no final, me dizia que não queria mais ir. Ou seja, eu pagava um preço alto por insistir na minha decisão. Mesmo assim precisei de cinco anos para tomar consciência da minha atitude. E foi só aí que pude renunciar ao meu sonho de mãe e deixá-la livre. O que foi um grande alívio para nós duas.
Não tem como, nós pais, somos sempre tentados a conduzir nossos filhos numa determinada direção. Naquela que julgamos ser a melhor para eles. Porém, nem sempre o que achamos, é aquilo que, realmente, faz os seus corações baterem mais forte ou lhes dão prazer e satisfação. É por isso que sobrepor os nossos desejos aos deles não é uma boa ideia. Muito pelo contrário, essa é uma forma de exercermos poder sobre eles, além de roubarmos a oportunidade de que eles mesmos descubram seus próprios caminhos.
Portanto, para realmente promovermos algo de valioso para o futuro dos nossos filhos, deveríamos dar respeito e apoio, deixando-os livres para que façam as suas próprias escolhas. Mostrando-nos disponíveis para orientar e apoiá-los quando se fizer necessário. Como, por exemplo, em casos de conflitos e disputas com seus irmãos. Aliás, esse será o tema do próximo e último artigo dessa série: “Como mediar brigas entre seus filhos com empatia.”
Nos vemos lá!