Porque a comunicação entre casais é tão complicada e como ela pode ser mais simples? adminWevolux 11 de agosto de 2021

Porque a comunicação entre casais é tão complicada e como ela pode ser mais simples?

Você já parou para observar quantos casais à sua volta já se separaram? E já se perguntou porque a vida a dois é tão desafiadora?

Pois é, se olharmos à nossa volta, vamos perceber inúmeros casais infelizes, em relacionamentos marcados por brigas e discussões. Muitos deles em processos de divórcio. Mas, porque a vida a dois é tão complicada?

É sobre isso que vamos conversar no artigo de hoje. Até porque me veio parar um texto em mãos, tão elucidativo e inspirador sobre esse assunto, que não pude deixar de compartilhá-lo aqui, com vocês. Se trata do artigo Liebe in stürmischen Zeiten – Amor em tempos tempestuosos – publicado pela revista alemã Empatische Zeit – Tempo para empatia – edição 04/016, da alemã Monika Flörchinger, facilitadora em Comunicação Não Violenta (CNV). Nele, ela discorre sobre as causas dos comportamentos explosivos e nocivos em uma relação a dois e aponta uma saída para as disputas repetitivas e destrutivas entre eles.

Ao ler o artigo, fui ficando cada mais vez mais entusiasmada com o esforço e entrega de Monika em esmiuçar as causas das reações impulsivas de um casal, baseada em seu próprio relacionamento. Ela discorre sobre as dificuldades de autocontrole, tanto dela quanto do parceiro de vinte e três anos, fala das descobertas promissoras que fez depois de muitos anos de estudos, tentativas e práticas.

Ela começa contando que os primeiros anos de sua relação com o esposo foram marcados por confusões e evoluções, sendo que as primeiras sobrepunham às segundas. O que, a seu ver, podia ser explicado pelos padrões de comportamentos que ambos traziam de suas famílias de origem. Onde a forma de pensar era baseada em categorias de “certo” e “errado”, e em casos de conflitos as primeiras perguntas que surgiam eram: quem é o culpado? Quem tem razão? Costumes esses que não contribuíam, em nada, para soluções satisfatórias nas disputas do dia a dia.

Mesmo os dois tendo encontrado a CNV em 1998 e usado essa ferramenta para encontrar a tão ansiada paz e harmonia na relação, essa também não funcionava em muitos casos. Naqueles em que apenas o tom de voz do parceiro ou a forma com que ele olhava já fazia o outro perder o controle de si mesmo e explodir em fração de segundos.

Foi só depois de muitas tentativas do casal de encontrar uma saída construtiva para a impotência e os abismos causados pelas brigas conjugais, que só contribuíam para que os dois se ferissem, eles encontraram as respostas que tanto procuravam. Vamos ver quais são elas?

 

Dicas de como melhorar a comunicação entre o casal no dia a dia

Ela enumera as três áreas que descobriram, as quais possibilitaram ao casal explorar seus bloqueios internos e superar seus limites. São eles:

1- Amizade, consideração e intimidade no dia a dia

Depois de ler o livro Die sieben Geheimnisse der glücklichen Ehe – Os sete Segredos de um casamento feliz – do autor John Gottman, ela experimentou, na prática, suas dicas. E percebeu que era muito mais fácil esclarecer certas situações de conflitos, quando os dois se empenhavam diariamente em fortalecer a amizade, a consideração e a intimidade entre si. Ela cita alguns exemplos de como isso pode ser feito:

Estando atenta ao que move o outro.
Que pessoas e valores são importantes para ele(a).
Quais sonhos e visões ele(a) alimenta.
Quais são seus desafios.
Que feridas ele(a) carrega consigo.
Que coisas ele(a) gosta de fazer.
Tomar tempo para dialogar, para falar de si para o outro.
Além disso, percebeu que era de grande valia cultivar os hábitos de:

Aceitação: aceitar a realidade do outro e respeitar sua opinião, mesmo essa sendo totalmente oposta à sua.

Consideração: independente de quantos anos o casal vive junto, não parar de se elogiar mutuamente e dizer ao outro o que gosta e admira nele(a).

Tolerância: consentir que o parceiro seja como ele é e focar a atenção no que há de positivo por trás dos seus atos, mesmo que não goste deles.

Carícias: trocar carícias físicas diariamente um com o outro. E, durante o sexo, colocar o foco na conexão de coração para coração, na intimidade dos dois, e não no orgasmo.

Sinceridade: ser sincero com o outro e dizer tudo o que sente e pensa. E não esconder nada dele(a).

2. Abordar conflitos „solucionáveis“ e resolvê-los

Como especialista no método CNV, Monika tinha experiência em colocá-lo em prática em situações de conflito, quando as necessidades de um dos dois não estavam sendo atendidas. O que a permitia entrar em contato com aquilo que estava vivo dentro dela mesma e se acalmar. Com isso, aumentar as chances de encontrar soluções satisfatórias para os dois.

Por ter esse conhecimento, ela se acostumou a fazer um “inventário” interno, antes de tentar solucionar algum conflito mais sério com o companheiro. Ela descreve, por exemplo, que inúmeras vezes se sentou, se auto observou e colocou no papel todos seus pensamentos, julgamentos, acusações, exigências, ao invés de dizer tudo isso direto ao esposo. Ela se perguntava: como eu me sinto? Do que preciso? Isso permitia que ela entrasse em contato com seus desejos e anseios mais genuínos. E os acolhesse com atenção e cuidado.

Só então ela estava em condições de ouvir o seu parceiro com a mesma empatia, que ela mesmo já tinha se dado. O que a permitia ouvir as acusações e julgamentos do parceiro com tranquilidade e respeito, sem levá-los para o lado pessoal. E nesse estado de presença e escuta atenta, ela conseguia ouvir as necessidades, por trás da explosão emocional do esposo.

Ela admite que, não fossem esses momentos de empatia, respeito e boa vontade, os dois, provavelmente, não estariam mais juntos.

3- Usar os conflitos aparentemente insolúveis para praticar o amor próprio e curar as velhas feridas

Monika diz que os conflitos, supostamente sem solução, surgem quando nós acreditamos piamente naqueles pensamentos que passam pela nossa cabeça, que parecem uma verdade insuportável. E, a partir deles, começamos a interpretar o comportamento dos nossos parceiros. Mas, que na verdade, eles não passam de filtros ou slides que colocamos entre nós e a realidade do aqui e agora. Mesmo que, via de regra, não percebamos isso. Esses filtros, por sua vez, foram instalados em nossa percepção, a partir de experiências apavoradoras que vivenciamos na primeira infância, que pareciam uma ameaça à nossa própria vida. E que por serem tão aterrorizantes não conseguimos gerência-las.

 

O que acontece no cérebro em casos de sofrimento na primeira infância

Com isso, se passaram três coisas em nós, naquelas situações:

1- Nós criamos crenças e opiniões sobre nós mesmos, como o mundo funciona e o que é esperado, ou não, de nós. Essas convicções permanecem gravadas profundamente em nossas células e no nosso sistema emocional, até hoje. Se tratam, normalmente, de crenças que dizem que há algo de errado conosco. Por exemplo: “Eu não sou boa o suficiente”; “Eu não mereço ser amada” “Eu falo muito alto, sou incapaz…”

Ou acreditamos que o mundo é um lugar perigoso para se viver e que as pessoas, lá fora, são nossas inimigas.

2- Nós dissociamos os sentimentos, ligados a essas situações, pois eles eram terrivelmente dolorosos. Por exemplo, medo e tristeza. Ou porque eles desencadeavam reações tão fortes nas pessoas à nossa volta, que imaginávamos não conseguir suportá-los. Como ódio ou alegria. O que não quer dizer que, agora, não sentimos mais nada. No entanto, o que sentimos não são nossos sentimentos originais e autênticos, mas sim emoções. Porém, essas não surgem a partir das experiências no aqui e agora, mas sim das histórias que nossa mente nos conta, surgidas no passado.

3- Para conseguir sobreviver com essas crenças e sentimentos dissociados, nós criamos mecanismos de autodefesa e autoproteção, que agem de forma independente e disparam automaticamente em situações, que nos remetem àquelas do passado. Por isso a expressão “colocar o dedo na ferida” de alguém.

De acordo com os estudos feitos sobre casais, uma das aparentes especificidades na seleção de cônjuges é que nós escolhemos, com alto grau de precisão, exatamente aquelas pessoas como parceiros que “colocarão o dedo nas nossas feridas.” Assim, podemos lidar com os conflitos emergentes de tal forma a estar sempre em busca de um novo parceiro, aquele dos nossos sonhos. Ou podemos aceitar os desafios que a vida nos oferece e usá-los para nos desenvolver pessoalmente, crescer na prática do amor próprio e curar as feridas do passado.

 

Porque os dois se comportam, as vezes, como criança

A autora destaca ainda dois aspectos muitos importantes para ela e o esposo na busca do crescimento a dois. Um deles é a diferenciação entre sentimentos e emoções. Ela diz que quando estamos em contato com nossos sentimentos, nós estamos no aqui e agora. O que quer dizer que estamos em contato com o nosso “Eu” adulto, com a nossa força interna. Nesse estado de presença, percebeu que tanto ela como o esposo poderiam entrar em contato com necessidades e sentimentos genuínos um do outro, fazendo com que a comunicação entre eles fluísse de forma harmoniosa. No entanto, quando as emoções tomavam conta dos dois, eles voltavam ao passado, naquelas situações que os causaram dor e sofrimento. E começavam a agredir um ao outro, a partir do lugar da criança ferida.

Ou seja, quando os dois se encontravam nesse estado emocional, ao invés de conseguirem comunicar um com o outro com empatia e compreensão, eles só conseguiam gerar ainda mais caos e sofrimento. O que a levou a concluir que não fazia sentido tentar esclarecer uma situação nesse estado. Ela compreendeu que, nesses casos, era muito mais eficaz dar atenção à criança ferida, acolhê-la com cuidado, dar espaço para sentir o que se passava dentro dela e observar suas crenças e convicções.

Monika continua dizendo que, infelizmente, ter clareza sobre isso nem sempre os ajudava, já que um dos seus maiores desafios era exatamente perceber o momento exato em que o “botão vermelho” havia sido acionado. Momento esse em que eles saiam da sua percepção do “Eu” adulto e assumia aquela do “Eu” criança. Só com o tempo ela percebeu que a solução estava em aumentar o espaço de tempo entre o gatilho e a reação. Pois, as vezes, bastava um olhar para que, em fração de segundos, eles perdessem o controle, criassem barricadas, gritassem ou batessem em retirada.

 

A importância de se ter consciência do momento em que o gatilho é disparado

Ela explica que, atualmente, já existem estudos da neurociência, os quais explicam os processos concretos que se passam em nossos cérebros diante dessas experiências passadas. Ou seja, certos gatilhos, quando disparados, têm o poder de ativar, abruptamente, aquelas regiões antigas do cérebro e assumir de imediato o comando da situação. Dispondo apenas de três mecanismos de reação: fuga, luta ou congelamento. Sobre os quais não temos controle.

Daí a importância de tomarmos consciência desses momentos, no exato instante em que eles surgem. Pois, só assim, teremos a chance de escolher como queremos reagir diante daquela situação. Infelizmente, o desejo de estar atenta a esses milisegundos antes da explosão, por si só, não adiantava. Foi o que ela constatou, através de experiências próprias. Porém, entender que seus comportamentos eram desencadeados por processos neurobiológicos, sobre os quais ela mesma não tinha controle, a trouxe um grande alívio.

A autora afirma que podemos treinar nossos cérebros, de forma a observar esses processos internos, sem reagir imediatamente. Por exemplo através da prática da meditação, contemplação ou qualquer outra forma de treinamento da atenção plena. Para isso não é necessário sentar-se por várias horas em estado meditativo. Pequenos exercícios de percepção, se feitos regularmente, já têm efeitos no nosso cérebro e no nosso sistema nervoso, permitindo aumentar o espaço de nossas reações. Nos permitindo passar por certas situações, sem reagir automaticamente.

 

A melhor solução é a troca com outros casais

Monika conclui o artigo citando o escritor David Schnarch que diz: muitos casais acreditam que seus problemas surgem por incompatibilidade de gênios. No entanto, esses surgem do consenso entre os dois de que não é normal terem problemas. Na opinião do autor isso é um equívoco, e que a melhor solução para saná-lo é a troca de experiências com outros pares.

Ela finaliza dizendo que em seus seminários para casais, os momentos mais tocantes e de maior conexão são aqueles em que um casal se mostra vulnerável e tem coragem de falar, abertamente, sobre suas dores e feridas. Temas esses, revestidos de muita vergonha. Mas, depois os dois se sentem aliviados, ao receberem os feedbacks de outros casais, dizendo o quão curador e libertador foi ouvir seus relatos. E de como estão agradecidos por isso.

Assim, um casal precisa de outras pessoas, melhor ainda de uma círculo de indivíduos benevolentes, para aprender e desenvolver as competências necessárias ao cultivo de uma união longa e saudável.

A autora encerra dizendo que esse esse é seu grande desejo, ou seja, contribuir para o desenvolvimento de uma comunidade amparadora, capaz de fortalecer os cônjuges nessa empreitada. Isso é o que a impele a continuar o seu trabalho com casais, como facilitadora em CNV.

Se você gostou desse artigo e quer saber mais sobre a CNV, leia também o texto “O que é Comunicação Não Violenta?”

Até breve!