O que leva uma pessoa a atender o pedido de outra de boa vontade e contribuir para o seu bem-estar?
Essa foi uma das perguntas que mais me intrigou, desde que eu comecei a praticar o método CNV. Isso porque na prática, mesmo com todo meu esforço em formular os meus pedidos com precisão, eles não eram atendidos. Independente se eu pedia para o meu filho arrumar os seus sapatos na sapateira ou levar o lixo para fora, ele simplesmente não fazia. Nem mesmo o pedido ao meu esposo para que ele fechasse a porta do guarda-roupa quando a abrisse, era atendido.
Essas situações me deixavam perplexa e frustrada. E eu não conseguia entender pedidos tão simples não pudessem ser atendidos.
O pedido é o quarto e último passo no processo de esclarecimento de uma situação nos moldes da CNV. Ele é a expressão clara daquilo que eu gostaria que uma pessoa fizesse por mim naquele momento. Nele eu verbalizo o que preciso para que minha necessidade seja atendida, seja ela de apoio, de organização, de valorização, de compreensão ou qualquer outra. Ele vem seguido dos três primeiros passos que são: observação, sentimento e necessidade. Ou seja:
1. Observação
2. Sentimento
3. Necessidade
4. Pedido
De acordo com a CNV, é fundamental que cada passo seja separado cuidadosamente para que fique bem claro para a outra pessoa quais são os fatos, quais são os meus sentimentos com relação a eles e que necessidades minhas estão por trás deles. Assim, as chances de que ela atenda ao meu pedido serão muito maiores do que se eu misturar os fatos com minha interpretação, análise ou julgamento sobre eles. Além disso é importante que cada situação seja esclarecida isoladamente, independente de situações semelhantes do passado.
No primeiro exemplo acima, o meu pedido poderia ser feito da seguinte maneira: “Filho, quando eu vejo dois pares de sapatos seus no meio do corredor (observação), eu fico bastante irritada (sentimento), pois para mim é importante que a casa esteja arrumada, principalmente os cômodos que usamos com mais frequência (necessidade). Você poderia colocá-los na sapateira, por favor?” (pedido). Parece simples, né? Mas não é.
O que mais me deixava impressionada era que, por mais que eu me esforçasse para formular o meu pedido com respeito – de igual para igual – o meu filho ouvia uma ordem por trás das minhas palavras e se recusava a colocar os sapatos na sapateira.
Durante muitos anos o seu comportamento me deixou bastante frustrada, principalmente por ter sempre em mente a frase do Rudi Göb, o meu primeiro professor em CNV: “Enquanto uma pessoa não estiver fazendo aquilo que você está pedindo, é porque ela está ouvindo uma ordem e não um pedido.” E inúmeras foram as vezes em que eu fui obrigada a rever, com honestidade, a minha verdadeira intenção por trás do meu pedido.
Depois de muito me auto-observar, eu percebi que por trás dele havia o desejo de que meu filho me obedecesse imediatamente e sem contestar. Eu queria me “livrar” daquela situação incômoda o mais rápido possível e ter a minha casa organizada de novo. Enfim, eu queria ter o meu sossego e minha paz, e não ter que “perder meu tempo” discutindo com ele sobre um tema tão “bobo”. Já que eu tinha tomado o meu tempo para arrumar a casa, eu queria que ele apenas mantivesse-a arrumada. E pronto. E sem discussão. Para mim isso era óbvio.
Portanto, quando eu expressava o meu pedido, ele podia sentir a minha impaciência e indignação por trás das palavras. Ele ouvia aquilo que eu não dizia. Consequentemente ele se sentia pressionado a fazer o que eu estava pedindo e se recusava a fazê-lo. Na sua percepção eu estava exercendo o meu poder sobre ele e tirando a sua liberdade de decisão. Em outras palavras, ele se sentia coagido por mim.
Como eu não desistia de querer entender o segredo por trás desse quarto passo, eu continuei questionando e refletindo sobre essa pergunta: O que leva uma pessoa a atender um pedido de outra, de boa vontade? Até porque uma das premissas da CNV diz que “faz parte da natureza humana querer contribuir para o bem-estar dos outros”
E a resposta para essa pergunta eu encontrei em uma experiência marcante que passei no início do ano em Milão. No dia primeiro de janeiro eu estava lá visitando a cidade com alguns parentes queridos do Brasil que estavam visitando a Europa. Mesmo sendo feriado, as ruas estavam lotadas de turistas e pessoas que iam e vinham de um lado para o outro.
Em uma das ruas de lojas luxuosas, com vitrines que esbanjavam pompa, uma senhora idosa andava de muleta entre os passantes, pedindo esmola para comprar algo para comer.
Alguma coisa naquela senhora me tocou de tal forma, que eu não consegui passar indiferente por ela. Depois de caminhar alguns metros, eu parei, peguei a carteira, tirei algum dinheiro e pedi a minha filha para dar a ela.
A sua imagem desamparada, necessitada e de voz fraca me comoveu.
Algo nela despertou a minha compaixão, ao contrário de outros pedintes que eu já tinha encontrado. Muitos deles, mesmo usando roupas sujas e esfarrapadas, com aparência de necessitados, com feridas e deficiências expostas, não despertaram a minha compaixão. Suas posturas chegaram, até mesmo, a me deixar desconfiada. Mas naquela senhora havia um sofrimento verdadeiro. A sua fragilidade era visível e real.
E assim eu entendi que não é o que uma pessoa fala que nos leva a contribuir para o seu bem-estar, mas sim a sua capacidade de despertar a nossa compaixão. Não são as suas palavras que vão abrir nossos corações para atender suas necessidades, mas sim a sua vulnerabilidade.