“Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos, e vivemos como os nossos pais”, canta Elis Regina.
É sobre isso que falaremos nesse artigo, mas, antes de começar, gostaria de te fazer uma pergunta: você, sendo pai ou mãe, alguma vez, já parou para pensar no tamanho da sua responsabilidade? E nessa pergunta não me limito a responsabilidade financeira, porque nisso provavelmente você já pensou, falo da forma como você mostra o mundo para eles.
Certamente você sabe que nós pais exercemos uma grande influência sobre os nossos filhos. Queiramos ou não, nossas convicções os acompanharão por toda a vida. São os nossos exemplos e condutas que fortalecem ou enfraquecem as nossas crianças, levando-as a acreditarem, ou não, em suas próprias habilidades e vocações e a terem, ou não, a confiança necessária para expressá-las no mundo. Em outras palavras, as nossas atitudes podem tanto despertar a autoestima dos nossos filhos, os tornando seguros e confiantes, ou inibi-la, deixando-os inseguros e medrosos.
Na minha opinião esse tema é tão fundamental quanto aquele que tratamos no post anterior: “Aprenda como expressar as suas necessidades e minimizar os conflitos em família”. Nele falamos sobre a importância de termos clareza sobre os nossos próprios sentimentos e necessidades e de como expressá-los com sinceridade para esclarecermos conflitos familiares. Chegamos a ver, inclusive, um passo a passo em direção às necessidades. Você se lembra?
Bem, hoje veremos como a postura dos pais e educadores pode influenciar, positiva ou negativamente, as atitudes dos filhos. E como algumas expressões populares podem reforçar certas condutas que nem sempre são benéficas. Lembra aquelas frases-feitas que ouvimos durante toda a nossa infância? Então, elas acabam moldando nossa personalidade, vou te mostrar como.
O que as pessoas não vão pensar de você?
Eu não sei você, mas eu cresci ouvindo frases e ditados da minha família que me marcaram bastante. Eram ensinamentos que soavam muito sérios, um verdadeiro alerta sobre as dificuldades da vida.
A minha avó, principalmente, parecia ter um repertório inesgotável, ela não passava um só dia sem nos advertir: “Primeiro a obrigação, depois a diversão”; “Deus ajuda quem cedo madruga”; “Aqui se faz, aqui se paga”. Jargões de uma mulher simples, que passou a vida inteira na labuta e que não conheceu outra coisa a não ser a dedicação integral à família e aos ensinamentos da igreja católica. Um verdadeiro exemplo de autorrenúncia. Não tenho dúvidas de que tudo o que ela nos ensinava era com a melhor das intenções, na tentativa de nos precaver sobre a dureza da vida. Porém, as mensagens que chegavam até a mim, eram mais de medo do que de fortalecimento. Eu ouvia: “Esteja sempre alerta!”; “Você colhe aquilo que planta”; “Se esforce o máximo possível para vencer na vida”.
Mesmo muito antes de ter consciência sobre o poder dessas frases, eu já sentia o seu peso sobre as minhas costas desde criança. E não era só a minha avó, os outros adultos da minha família faziam o mesmo. Quantas vezes não ouvi dos meus pais “o que as pessoas não vão pensar de você”? Eles se referiam à minha aparência ao sair na rua e ao meu comportamento em público. Claro que eles também só queriam o meu bem, era como sabiam me proteger dos comentários dos outros e, possivelmente, maldosos. No entanto, os maiores aprendizados que trago disso é de como ignorar a mim mesma e como me enxergar através dos olhos de outrem.
E mesmo depois de décadas tudo isso ainda ressoa em minha mente. Vira e mexe, ao me arrumar, me questiono sobre o que os outros irão pensar ao me verem com um vestido curto, com aquela blusa vermelha ou esse short apertado e por aí vai. Até pouco tempo, só o medo de receber críticas ou de ser reprovada já me fazia desistir imediatamente da minha escolha, me ‘induzindo’ a procurar por uma roupa mais comportada – apesar de gostar daquela que eu desejava vestir – por acreditar que seria mais adequada às expectativas da sociedade sobre uma “moça direita”.
E isso não se limita as mulheres. Aposto que se você é um homem nascido nos anos 60 ou 70, já ouviu um bocado de outros ensinamentos típicos daquela época.
Homem que é homem não chora
Naquela época havia outra crença muito difundida e arraigada na sociedade: homem tem que ser forte, valente e não deve chorar. Não é de se admirar que, ainda hoje, vemos tantos homens por aí, que continuam carregando essa couraça de super-homem, sem conseguir mostrar suas emoções.
Em seu livro “Comunicação não violenta”, Marshall Rosenberg fala de uma experiência pessoal, que o ensinou, logo cedo, a negar seus próprios sentimentos, ele conta: “quando tinha nove anos, uma vez me escondi na escola, pois alguns meninos estavam me esperando do lado de fora para bater em mim. Uma professora me viu e pediu que eu saísse do edifício. Quando a expliquei que estava com medo, ela retrucou: ‘Menino grande não pode ter medo’. Alguns anos depois, quando comecei a praticar esportes, isso foi reforçado. Nessa época era normal que os treinadores valorizassem atletas dispostos a ‘dar tudo de si’ e que continuassem jogando, independente da dor física que estivessem sentindo. Aprendi tão bem a lição que, por um mês, joguei beisebol com o pulso quebrado.”
Você percebe o quanto esses ditos valores podem ser prejudiciais para as crianças e até mesmo atrapalhar o seu senso de autolimite? Nesse exemplo do Marshall, que é só para citar um exemplo, ele foi capaz de passar por cima da sua própria dor.
Tanto quanto os condicionamentos sociais, as expectativas dos pais sobre o futuro dos filhos, também podem se tornar um grande peso.
Quando você crescer, será um renomado advogado
Não precisamos procurar muito para encontrarmos exemplos de pais que, no ímpeto de oferecer as melhores condições de vida para os filhos (provavelmente porque eles mesmos não as tiveram), decidem as suas profissões e respectivas formações acadêmicas.
Eu mesma pude presenciar, no norte de Minas, um caso desse. Devia ser lá pelos idos da década de 80, quando um pai determinou as profissões que seus três filhos deveriam seguir. O mais velho seria médico, o do meio advogado e a filha mais nova dentista. Dito e feito. Todos os três obedeceram a sua vontade e assim fizeram as devidas faculdades. Porém, o filho do meio, ao concluir seu curso de advocacia, foi até ao pai, entregou-lhe o diploma e disse: “Aqui está o seu diploma. Não era isso que o senhor queria? Ele é seu”.
Esse rapaz passou anos da sua vida se obrigando a fazer o que não queria só para agradar ao pai. Você imagina que barra? Deve ser muito duro para um filho ter que decidir entre fazer o que gosta ou satisfazer a vontade dos pais. Ainda mais se imaginarmos que o maior desejo dele é ver seus pais felizes. Que dilema. Independente da sua decisão, ela virá acompanhada de muitos sentimentos, tais como, culpa, tristeza, frustração, sofrimento.
Enfim, acho que agora fica mais fácil de você perceber como é importante termos cuidado e ficarmos atentos às nossas próprias crenças, e em como repassamos esses valores e as nossas expectativas aos nossos filhos. É aí que mora a nossa grande responsabilidade parental, pois, são esses conceitos que irão influenciar na formação do caráter das nossas crias e que os irá preparar para a vida. É sob essa base que eles irão sustentar a sua autoestima e autoconfiança para lidarem com os desafios da vida.
Portanto, se queremos contribuir para a formação de adultos seguros, e até mesmo para a mudança de valores da sociedade, precisamos, primeiramente, tomar consciência das nossas crenças e padrões de comportamento. E depois assumi-las como sendo nossa e trabalhando-as em nós, ao invés de passá-las adiante.
Ah! No próximo texto “Atenção! A recompensa é uma forma de exercer poder sobre seus filhos” conversaremos sobre as ‘fórmulas’ que usamos para motivar os nossos filhos. Nem sempre as recompensas são o melhor caminho. Se não tomarmos cuidado podemos aplicar uma daquelas formas sutil de manipulação. Não deixe de ler!