Como educar crianças para serem justas e pacíficas adminWevolux 24 de novembro de 2021

Como educar crianças para serem justas e pacíficas

Ando aprimorando bastante o meu desenvolvimento pessoal e profissional, e em meio a essa minha busca por temas relevantes sobre a comunicação e desenvolvimento humano, me aprofundei na obra da pedagoga Maria Montessori. É sobre isso que quero conversar com você, pois ela aborda um modelo de educação voltado, não só para o aprendizado e desenvolvimento das crianças, mas também para a justiça e a paz.

Minha relação com essa pedagogia começou lá em 2006, quando meu filho Allan foi alfabetizado em uma escola Montessori. Tenho muito viva a lembrança do seu primeiro dia de aula, me recordo dele atravessando um arco de flores, no saguão de entrada da escola. Parte de uma cerimônia festiva, onde os novos alunos eram recebidos pelos seus professores.

Passar por aquele “portal” era um ato simbólico. Representava um rito de passagem, onde a criança adentrava em uma nova fase de sua vida: o da escola. Mas, mais do que isso, era também uma forma de acolhimento, de dar as boas-vindas à criança e de mostrar-lhe que era importante naquela comunidade. Nesse dia, todas as atenções estavam voltadas para os novos alunos, que, por sua vez, radiavam de orgulho. Com um cone de papelão colorido nas mãos, cheio de doces e apetrechos escolares, os olhos do meu filho brilhavam. A partir de então, a pedagogia Montessori passou a fazer parte da nossa vida.

Pedagogia Montessori
O que é e o que a faz tão especial?

Pedagogia Montessori é o nome dado ao sistema de educação desenvolvido pela pedagoga italiana Maria Montessori, no início do século XX. Formada em medicina pela Universidade de Roma, ela foi uma das primeiras mulheres a obter o título de médica na Itália. Ao ver as condições precárias com que as crianças eram tratadas nas clínicas psiquiátricas, ela decide trabalhar nesse setor da Universidade e começa a elaborar experiências e estudos para ajudá-las no seu desenvolvimento.

Influenciada pelo método educacional do francês Édouard Séguin, ela passa a criar materiais didáticos apropriados para o aprendizado, os quais estimulavam o desenvolvimento sensorial e mental das crianças, com foco no treinamento dos movimentos musculares necessários à realização de tarefas, como a escrita, por exemplo.

Ao perceber que as crianças que ensinava, aprendiam mais facilmente do que aquelas que frequentavam as escolas regulares, decide se aprofundar nos estudos de pedagogia e psicologia e aperfeiçoar seu método. Em 1907, foi convidada a trabalhar com crianças carentes na periferia de Roma, onde fundou a “Casa dei Bambini” (Casa das Crianças). O que lhe dá a oportunidade de experimentar seus preceitos pedagógicos também em crianças normais, porém com defasagem de aprendizado.

Nesse novo espaço, Maria Montessori teve a oportunidade de aprimorar sua metodologia e estabelecer os princípios que viriam a norteá-la. Sendo um deles a organização cuidadosa do ambiente onde as crianças aprendem, para atender plenamente suas necessidades. De tal forma, as cadeiras e as mesas devem ser baixas, os materiais precisam estar arrumados detalhadamente à altura das crianças, para elas terem livre acesso a eles. Tudo para promover a autoeducação – outro aspecto fundamental do seu sistema de ensino. Além disso, os adultos devem ser devidamente treinados para aplicar o método, para poderem observar e acompanhar a criança, sem interferir no seu aprendizado.

Ambiente preparado – Pedagogia Montessori

Com todas essas implementações, ela pode constatar que as crianças aprendiam com mais facilidade. Além disso, elas se tornaram mais tranquilas, educadas, concentradas e gentis. Assim nasceu o método Montessori.

Punir não educa
Muito diferente do método tradicional de ensino, onde os professores, ainda hoje, têm autoridade sobre as crianças. Condição que pode despertar nelas medo e insegurança, assim como aconteceu comigo no passado.

Ao contrário do meu filho, tenho uma lembrança bem negativa do meu primeiro ano de escola. Eu morava em São João do Pequi, no norte de Minas, e isso era em meados dos anos 70. Nossa sala de aula era um salão pequeno, nos fundos da igreja local, também usado para as festividades da comunidade. Nós, a crianças menores, sentávamo-nos em um banco comprido de madeira e usávamos uma bancada mais alta à nossa frente como mesa. Nessa época, eu era uma menina muito tímida, e tudo o que eu menos queria era chamar a atenção. Talvez até por medo de fazer algo errado, um dia derrubei a bancada da frente, sem querer. Com isso todos nossos cadernos e lápis caíram no chão, fazendo uma bagunça só. Para completar a confusão, algum objeto atingiu uma trouxa de ovos de uma das alunas, que os havia trazido de casa para vender em uma das vendas locais. E de repente, aquela massa amarela escorria e se misturava com nossos cadernos no chão.

Ao ver aquilo, minha professora Dinorah não hesitou um só minuto e veio em minha direção com uma régua grande de madeira e me deu uma reguada no braço. Atitude essa que me fez sentir, além de culpada e envergonhada, injustiçada e exposta diante da classe.

O método Montessori promove uma relação diferente entre professores e alunos, onde a punição dá lugar à empatia e diálogos sinceros, no mesmo nível de igualdade, seja para entender o comportamento de um aluno ou esclarecer algum conflito em sala de aula. Ele estimula o respeito e a confiança entre eles. Em uma interação, onde o professor atua como um guia, um observador atento, que auxilia a criança, sem interferir ou influenciar suas escolhas.

 

Os quatro planos de desenvolvimento

Com base em suas observações, Maria Montessori percebeu que o desenvolvimento das crianças acontece em quatro fases, e as chamou Planos de Desenvolvimento. Sendo que cada um deles precisa ser vivido por completo, para que elas poderem passar com segurança para a próxima etapa.

“Ajude-me a fazer isso sozinho”
O Primeiro Plano de Desenvolvimento vai do 0 aos 6 anos, é subdividido em duas fases: a primeira do zero aos três e a segunda dos três aos seis.

Na primeira fase da vida, as crianças exploram o mundo de forma sensorial. Elas testam os objetos com as mãos, os colocam na boca, usam a língua, o nariz, assimilam sons, barulhos, vozes. Esse é um período de muita energia, em que elas são naturalmente ativas e não se cansam de experimentar, de repetir movimentos. E é esse esforço que leva o cérebro da criança a se desenvolver e a criar conexões neurais, necessárias para a execução de atividades mais complexas. É nessa etapa que se dá a formação do homem.

Também chamada fase “mente absorvente”, é nesse intervalo que elas absorvem, automaticamente, tudo à sua volta. Seu cérebro está crescendo. Nesse estágio elas aprendem a se sentar, andar, falar e ganham controle e equilíbrio.

Na segunda fase, as crianças começam a assimilar todas as informações e a fazer conexões com o meio ambiente. Elas ganham equilíbrio, segurança física, desenvolvem a capacidade motora e conseguem usar uma tesoura, segurar uma agulha, pular corda, equilibrar uma bandeja, encher um copo de água, pular com uma perna só.

“Ajude-me a fazer isso sozinho” é a frase que marca o Primeiro Plano de Desenvolvimento das crianças. Nesse período elas querem aprender como o mundo funciona, para encontrar seu espaço nele, e adquirir independência física em relação aos adultos. Isso é, elas querem aprender sozinhas, sem muito interferências deles. É através da ação que elas se constroem e se transformam. É errando e acertando que elas assimilam diferentes informações. Essa fase é marcada por “períodos sensíveis” onde o foco da criança, seu interesse e esforços estão totalmente voltados para uma área de desenvolvimento. Seja para o movimento, a linguagem, os sentidos, a escrita, a matemática. Segundo Maria Montessori, as crianças nunca devem ser interrompidas nesses momentos, pois são neles que ela se desenvolverá com mais facilidade.

Quando visitava a escola do meu filho, ficava encantada ao ver várias crianças pequenas em uma sala, totalmente absortas em suas atividades e em silêncio. Cada qual sentada em um tapete no chão, que demarcava o seu espaço, com um material diferente à sua frente. Eram tabuleiros de madeira com peças coloridas; blocos de madeira com cilindros em diferentes tamanhos, simbolizando pesos; caixas com contas coloridas para multiplicação; pérolas; letras coloridas de madeira; enfim, uma série de materiais encantadores. Eles mais pareciam brinquedos. Era bonito também de se ver crianças entre seis e dez anos na mesma sala, convivendo harmoniosamente uns com os outros, os maiores ajudando os menores, com paciência e boa vontade.

“Ajude-me a pensar por mim mesmo”
O Segundo Plano de Desenvolvimento se dá entre os 6 e os 12 anos. Nessa fase as crianças já estão bem desenvolvidas, sabem cuidar de si mesmas e dos outros e passam por várias mudanças físicas e psicológicas. Os dentes caem, o timbre de voz muda, o corpo ganha novas formas. Elas passam a se interessar por uma série de temas e querem entender questões mais complexas como: o surgimento do mundo, a origem da civilização, história, física, química. É uma fase onde a imaginação das crianças está aflorada e elas começam a ler, refletir, imaginar. Nesse período elas se tornam mais sociáveis, querem ter independência física e intelectual, desenvolvem o senso de justiça e levam as regras a sério.

“Ajude-me a pensar por mim mesmo” é o pedido das crianças aos adultos nessa fase. Elas querem ter a liberdade de pensar por conta própria, mesmo tendo como base os comportamentos e as referências dos adultos.

“Ajude-me a me encontrar”
O Terceiro Plano de Desenvolvimento ocorre entre os 12 e os 18 anos sendo marcado pela puberdade. Muitas mudanças físicas e psicológicas estão acontecendo nessa fase e as crianças querem encontrar seu próprio espaço no mundo. Elas se tornam rebeldes, procuram a auto independência, passam a se interessar por questões sociais e a se engajar por causas justas. Nesse período elas estão mais sensíveis e inseguras e experimentam uma montanha-russa de emoções. Algumas vezes choram sem saber o porquê. Além disso, têm dificuldade de concentração e seu nível intelectual diminui.

“Ajude-me a me encontrar” é o que os adolescentes precisam nessa fase. Eles estão em buscas de si mesmos e querem se experimentar, testar seus limites, se relacionar em grupos, ter relações afetivas, para entender qual é o seu papel na sociedade em que vive. É uma fase em que buscam uma orientação profissional e o reconhecimento do seu valor. Por isso é importante que trabalhem e sejam remuneradas por isso. Não só por questões financeiras, mas pedagógicas mesmo, para aprenderem a trabalhar, a ter responsabilidades e a conviver com colegas de trabalho.

“Ajude-me a me sustentar”
Por fim, o Quarto Plano de Desenvolvimento, acontece entre os 18 e os 24 anos. E marca o início da idade adulta. Já fora da escola, frequentando uma Universidade ou em busca de uma orientação profissional, o jovem procura encontrar o seu caminho e entender a razão de sua existência.

Essa é a fase de vida, onde o ser já está totalmente desenvolvido, é capaz de ganhar seu sustento e decidir por si mesmo. Enfim, ele está pronto para caminhar com suas próprias pernas. Com relação a isso Maria Montessori dizia: “O indivíduo deve ser o homem que sabe como fazer sua própria escolha de ação, tendo passado à perfeição para as fases precedentes. Ele deve ser como uma faísca viva e consciente do portão aberto para as potencialidades da vida humana em perspectiva e de suas próprias possibilidades e responsabilidades.”

Mas para atingir esse estágio de maturidade, ele precisa ter adquirido segurança através do trabalho prático e da experiência. Pois, se tiver passado todos esses anos, sentado em salas de aula, apenas ouvindo ensinamentos e palavras, isso não será possível. Além disso, é a partir da ação e do exercício de uma profissão, que o indivíduo pode aprender a ter responsabilidade e entender a importância de sua contribuição para o meio em que vive.

Maria acreditava, ainda, que o adulto que encontra o seu papel na sociedade, sem se deixar levar pelas tentações das posses e do poder, encontra o caminho para criar um mundo “poderoso, rico e puro”.

“Ajude-me a me sustentar” é o pedido dos jovens nessa fase. Eles querem seguir seus caminhos sozinhos e encontrar o seu propósito de vida, mas com a segurança de que podem contar com o amparo e orientação dos mais velhos, se necessário for.

A intenção de Maria Montessori, ao criar esses Planos de Desenvolvimento, foi de nos auxiliar a entendermos o que se passa no corpo e na mente de um ser humano, do seu nascimento à maturidade. Com isso, podermos apoiar nossas crianças em cada uma de suas fases, para que cheguem na maturidade íntegras e cientes de suas responsabilidades. Ela acreditava que se essas não tivessem o devido apoio para se desenvolverem completamente, arriscariam de chegar à maioridade imaturas, incapazes de assumir as rédeas de suas próprias vidas. E não poderiam contribuir de forma equilibrada para o desenvolvimento da sociedade. O ideal, segundo ela, é que o meio social apoie as crianças em seu desenvolvimento, assim criará indivíduos conscientes e honestos, capazes de atuar em prol da justiça e da paz.

Dessa forma encerro esse artigo sobre essa mulher inspiradora, que deixou um legado precioso para a humanidade. Não poderia deixar de dizer que sou uma grande admiradora de sua obra e da sua contribuição generosa para o mundo.

Se você gostou desse assunto, não deixe de ler o meu artigo, “Foco no Positivo” , onde conto uma experiência com minha filha Luana, também na Escola Montessori.

Até a próxima!

 

Fonte: “Quatro Planos de Desenvolvimento — Maria Montessori”, www.maedehoje.com