De vez em quando você se sente perdida, sem saber como reagir diante de uma discussão familiar? E por mais que tente, não sabe como falar sobre o que sente e muito menos consegue esclarecer a situação? Então, puxe a cadeira, sente-se e venha aqui conversar comigo.
Como vimos no primeiro texto dessa série “Saiba como surgem os conflitos em família”, os conflitos se dão quando as necessidades de uma pessoa não são atendidas. Constatamos também o quanto é complicado comunicar as nossas reais necessidades de forma efetiva, até porque nunca nos ensinaram a fazer isso – seja na escola ou em casa. E, como consequência, nos tornamos os adultos que somos: pessoas emocionalmente analfabetas, que não sabem nomear suas emoções, sentimentos e desejos.
No artigo de hoje falaremos sobre a importância de darmos nome ao que sentimos e ao que de fato necessitamos. Pois, se temos consciência do que se passa no nosso interior e conseguimos descrever o que é, abrimos espaço para diálogos sinceros. Com isso podemos estabelecer uma conexão empática com nossa família e reconhecer as necessidades de cada um e a partir disso encontrar soluções satisfatórias para todos. Vamos lá?
Bom, aqui segue um passo a passo rumo às necessidades. Sendo que o primeiro deles é aprender a se auto-observar.
Passo 1 – Aprenda a se auto-observar
Se você não sabe como descrever o que se passa consigo e na sua mente, a primeira coisa a se fazer é se auto-observar. É difícil falar sobre aquilo que não sabemos, não é mesmo? Você precisa em primeiro lugar entender o que quer, só depois disso é que conseguirá conversar com clareza a respeito. Esse inventário interno é uma das formas mais eficientes de você saber o que está sentindo.
A auto-observação é inclusive possível durante uma discussão acalorada. Precisa porém partir de você tomar o controle da situação em mãos e apertar o botão de ’pausa’. Peça um tempo, interrompa o bate-boca, saia de perto do outro para espairecer a cabeça, respirar. Dê uma volta e se observe.
Passo 2 – Fale de você e não do outro
Depois de se auto-observar e conseguir identificar o que está sentindo, fale sobre isso, mas atenção, fale de você. Por exemplo, ao invés de dizer para sua filha: “Você é uma desleixada! A sua bagunça sempre sobra para mim. Eu não aguento mais!”, você poderia falar: “Filha, quando vejo as suas roupas, a toalha molhada, no chão do banheiro, eu fico muito brava. Poxa! Eu arrumei a casa toda e gostaria que você valorizasse um pouco o meu trabalho, me ajudando a manter a organização.” Tudo soa diferente, não soa?
Se você fala sobre si mesmo, você não apenas assume a sua responsabilidade pelos seus próprios sentimentos e necessidades, como também procura formas de atendê-los. O que poderá levar os seus familiares a se conectarem com aquilo que te é importante e a ficarem mais dispostos a colaborar.
Em suas primeiras observações, é provável que você apenas sinta seu coração batendo acelerado, o seu rosto queimando ou a sua respiração ofegante. Contudo, com a prática, você conseguirá distinguir, além dessas sensações, sentimentos de raiva, nervosismo, impaciência, cansaço, e tantos outros. O que é um passo importante, pois é assim que você entra em contato consigo mesmo e a sua vulnerabilidade.
Passo 3 – Mostre a sua vulnerabilidade
Tudo isso é muito diferente do que aprendemos até agora, não é mesmo? Pode até ser que esteja pensando que expor a sua vulnerabilidade seja uma demonstração de fraqueza e que se você se mostrar frágil aos outros, principalmente, aos seus filhos, eles não irão te respeitar. Mas, na prática, funciona ao contrário, se mostrar vulnerável é expressar a sua humanidade e é justamente isso que faz com que as pessoas se conectem emocionalmente com você. Assim, quanto mais consciência tomar dos seus sentimentos e expressá-los com sinceridade, mais os outros irão te respeitar e consequentemente ajudar.
Passo 4 – Entenda o sentimento e o não-sentimento
Para te ajudar a ter ainda mais clareza, trago aqui alguns exemplos de sentimento, não-sentimento e de como distinguir um do outro.
. Não-sentimento – Frases que não representam realmente o que você sente. É comum usarmos a palavra sentir sem falar efetivamente o que sentimos. Se você diz: “Sinto que não fui compreendida pelo meu esposo”, a palavra sinto não descreve o que você realmente sentiu por ele naquela situação. Você percebe como sentir é um verbo vazio? “Sinto o quê?”, falta um complemento. Ele poderia ser substituído facilmente pelos verbos: pensar, crer ou achar.
Outro exemplo poderia ser: “Eu me sinto ignorada pelos meus filhos”. Isso é mais uma interpretação das atitudes deles, do que uma descrição clara do que você está sentindo. Uma pergunta que poderia te ajudar a descobrir o que você sente é: “O que eu sinto quando acho que estou sendo ignorada pelos meus filhos?” Isso ajuda você a olhar por trás dos pensamentos e suposições e obter uma resposta mais precisa.
Já o sentimento é outra coisa, veja só.
. Sentimento – É aquele que descreve com clareza o seu estado emocional. Aqui o verbo mais usado é o estar, que indica o que você, por certo, está sentindo naquele momento: “Eu estou triste, chateada, magoada, alegre, feliz, animada”.
Ao pegar os dois exemplos acima e colocar seus verdadeiros sentimentos por trás deles, você poderia falar: “Eu estou chateada porque meu esposo não me compreendeu.” e “Estou triste porque meus filhos não me notaram.”
Espero que tenha ficado mais evidente a diferença entre pensar que está sentindo algo do realmente sentir. Uma vez que será essa clareza que te permitirá identificar suas necessidades.
Passo 5 – Por trás dos sentimentos existem necessidades
Bem, necessidade é tudo aquilo que precisamos para viver e nos sentir bem. Elas são muitas e vão desde as mais básicas como alimento, moradia, vestuário e proteção, até as mais sutis como respeito, valorização, amor, pertencimento. Se elas são atendidas, ficamos satisfeitos. Mas se uma ou outra começar a ser negligenciada, vai chegar uma hora que nosso corpo irá protestar e enviar sinais de que algo está em falta. E isso ele faz através de emoções e sentimentos. Ou seja, por trás dos sentimentos existem necessidades.
Ficou claro isso, ou ainda está confuso?
Então, eu vou te explicar melhor, dando dois exemplos. Olha só! Na frase: “Eu estou chateada porque meu esposo não me compreendeu”, o sentimento é ʽchateada’. Certo? Mas a necessidade pode uma entre muitas. Talvez compreensão, companheirismo, afeto ou conexão.
Da mesma forma, na frase: “Estou triste porque meus filhos não me notaram”, o sentimento é ʽtristeza’, mas a necessidade dela pode ser de respeito, carinho, atenção ou partilha.
Reconhecido isso, a mãe poderá dizer a eles: “Eu fiquei triste ontem quando tentei conversar com vocês e vocês ficaram olhando para o celular, pois eu tinha algo importante para dizer. Podemos conversar hoje, depois do almoço, sem celular?”
Parece uma fala longa, né? Mas, eu te garanto que ela te ajudará a economizar muitas horas de discussão depois.
Portanto, quanto mais claro você disser o que precisa, mais seus filhos e parceiros estarão dispostos a cooperar. Lembrando que a sinceridade com você mesma, vai fazer toda a diferença.
Passo 6 – Ser autêntico é expressar o que está vivo dentro de você
Pois é, ser sincero com os outros começa por sermos sinceros com nós mesmos. O que implica olhar para tudo o que se passa dentro de nós e assumirmos a responsabilidade por isso.
Em outras palavras, ser autêntico é sentir realmente aquilo que está vivo em nós, não como um conceito mental, mas como uma parte nossa que está se mostrando, nos passando uma informação, pedindo a nossa atenção. É acolher o humano em nós e olharmos para a nossa fragilidade com honestidade, sem procurar um responsável externo. E a partir dessa percepção nos colocarmos inteiros nas relações com nossos familiares.
Em resumo
É muita informação, não é mesmo? Então que tal darmos uma recapitulada? Bem, como vimos anteriormente, a auto-observação é a chave que nos permite abrir as portas do nosso interior para nós mesmos e para os outros. Essa abertura, por sua vez, nos possibilita ter conversas sinceras com nossos familiares e criar uma conexão empática com eles. E é nesse espaço de sinceridade e respeito que podemos encontrar soluções para as necessidades de todos. Mas, para que isso se torne possível é importante sabermos expressar o que sentimos e necessitamos efetivamente.
Eu sei, esclarecer conflitos em família não é nada simples. Já que muito mais do que teorias, requer também boa vontade e disposição para fazer diferente. A boa notícia é que isso é possível e que mesmo que tudo pareça custoso e trabalhoso, o esforço vale a pena. E posso te garantir que esse caminho funciona, sou a prova disso.
Nessa jornada há ainda outra compreensão que se faz necessária. Precisamos ter ciência das nossas crenças e padrões de comportamentos, que muitas vezes são limitantes. Outro ponto importante é ficarmos alerta quanto aos nossos desejos e expectativas em relação aos nossos filhos. São justamente esses temas que abordarei em meu próximo artigo “Cuidado, as suas crenças e expectativas podem prejudicar seus filhos.”
Nos vemos lá!